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Estar bem informado pode ser a diferença entre a liberdade e a prisão. Neste blog, compartilho conhecimentos essenciais sobre direito criminal, dicas práticas e orientações que podem salvar sua vida jurídica.

 

Reconhecimento Facial e Segurança Pública: Riscos da Tecnologia no Controle Estatal

Rafaela Nascimento

O reconhecimento facial tem ganhado espaço no Brasil como ferramenta de apoio à segurança pública. Por meio de câmeras instaladas em locais públicos, algoritmos analisam características do rosto de pessoas em movimento e as comparam com bases de dados policiais. O objetivo declarado é identificar foragidos da Justiça ou suspeitos de crimes em tempo real. Contudo, essa tecnologia levanta sérias preocupações quanto à proteção de dados, privacidade, proporcionalidade e viés discriminatório. 

Ao contrário de outras formas de identificação, o reconhecimento facial ocorre sem o consentimento do indivíduo. O simples ato de andar na rua pode colocar uma pessoa sob constante vigilância estatal. A situação se agrava diante da ausência de regulamentação específica no Brasil. O que se tem, até agora, são experiências locais, muitas vezes desprovidas de qualquer controle judicial, transparência ou fiscalização externa. 

A sensação de segurança prometida pela tecnologia esbarra em questões fundamentais do Estado de Direito. O monitoramento constante por câmeras com inteligência artificial pode transformar o espaço público em um ambiente de suspeição permanente. Nesse contexto, a aplicação desmedida da tecnologia tende a afetar, sobretudo, os grupos já marginalizados — como pessoas negras, periféricas e jovens — reforçando estigmas sociais e aprofundando desigualdades. 

Riscos de erros e discriminação no uso da biometria facial 

Apesar do avanço tecnológico, o reconhecimento facial ainda apresenta altas taxas de erro. Pesquisas internacionais e nacionais indicam que a precisão do sistema varia conforme o perfil da pessoa analisada. Rostos negros, de mulheres e de pessoas trans são mais suscetíveis a falhas de identificação. Essa discrepância técnica pode levar à prisão injusta de inocentes, violando direitos básicos como a liberdade e a presunção de inocência. 

Casos de pessoas presas injustamente com base apenas em reconhecimento facial já foram registrados em diferentes estados brasileiros. A falta de perícia especializada, o uso de bancos de dados desatualizados e a ausência de perícias de confirmação agravam o problema. Muitas vezes, a imagem utilizada como prova sequer é confrontada com outras evidências, e o sistema se torna juiz silencioso da liberdade individual. 

Além disso, há o risco de institucionalização de práticas discriminatórias. Se a base de dados usada pelo algoritmo for enviesada, o sistema reproduzirá o viés existente. O racismo algorítmico, portanto, não é uma falha ocasional, mas um reflexo direto da desigualdade social, agora incorporada à tecnologia. A naturalização dessas distorções é perigosa e exige resposta urgente das instituições democráticas. 

Homem negro com falha em reconhecimento facial e propício a segurança pública

Ausência de regulação e os perigos do uso irrestrito pelo Estado 

No Brasil, ainda não há uma lei federal que regulamente o uso do reconhecimento facial por órgãos de segurança pública. A ausência de parâmetros legais permite que estados e municípios implantem sistemas sem qualquer base jurídica sólida. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), embora importante, não trata de forma específica das tecnologias de videomonitoramento facial em tempo real. Isso gera um vácuo normativo perigoso, especialmente quando se trata do poder policial. 

Em democracias consolidadas, o uso desse tipo de tecnologia é geralmente submetido à autorização judicial e restrito a investigações específicas. No entanto, no Brasil, o que se observa é a adoção de sistemas de vigilância em 

larga escala, muitas vezes com apoio de empresas privadas e sem controle externo. A situação viola princípios constitucionais como a legalidade, a proporcionalidade e a dignidade da pessoa humana. 

Outro ponto preocupante é a falta de transparência sobre como as decisões são tomadas. Não se sabe com clareza quais são os critérios de seleção da base de dados, quem autoriza as abordagens e o que ocorre com os dados coletados. A ausência de auditorias independentes e de instâncias de revisão compromete a confiabilidade do processo e abre espaço para abusos. A captura de dados biométricos sem consentimento, quando não regulada, aproxima-se de uma forma de controle incompatível com os direitos fundamentais. 

Desafios constitucionais e perspectivas jurídicas em construção 

O uso do reconhecimento facial enfrenta questionamentos no campo jurídico. Doutrina e jurisprudência vêm debatendo os limites dessa tecnologia à luz da Constituição Federal. O princípio da intimidade (art. 5º, X), a inviolabilidade da imagem (art. 5º, X), a liberdade de locomoção (art. 5º, XV) e a presunção de inocência (art. 5º, LVII) são diretamente impactados. O Supremo Tribunal Federal já foi provocado a se manifestar sobre o tema, especialmente no contexto da segurança pública e do uso de tecnologias invasivas sem autorização judicial. 

Há ainda o argumento da inconstitucionalidade por omissão: a ausência de uma lei específica torna o uso da ferramenta incompatível com o princípio da reserva legal. Em outras palavras, nenhum direito fundamental pode ser restringido sem que haja autorização expressa da lei. O Judiciário, nesse cenário, pode ser chamado a exercer o controle de constitucionalidade de políticas públicas baseadas em vigilância biométrica. 

As decisões futuras sobre o reconhecimento facial irão moldar não apenas o direito à privacidade, mas a própria configuração do espaço público e da cidadania. O desafio é equilibrar a segurança pública com as liberdades individuais. Isso exige um debate técnico e transparente, com a participação do Legislativo, do Judiciário, da sociedade civil e da comunidade científica. 

Enquanto isso não ocorre, o uso dessa tecnologia deve ser restrito, excepcional e sujeito a rígido controle. 

Conclusão: Por uma tecnologia a serviço da democracia, não do controle absoluto 

O reconhecimento facial, embora promissor em termos de inovação, carrega riscos graves quando empregado sem regulamentação, transparência e garantias constitucionais. Seu uso indiscriminado pode comprometer direitos fundamentais e reforçar desigualdades já presentes no sistema de justiça criminal. A tecnologia, nesse caso, não é neutra — ela reflete e amplifica os vieses da sociedade. 

Diante disso, é urgente que o Brasil estabeleça limites claros para o uso de ferramentas de vigilância biométrica. Não se trata de impedir a inovação, mas de submeter o progresso tecnológico aos valores democráticos. O reconhecimento facial só pode ser legitimado se houver proporcionalidade, legalidade, controle externo e respeito aos direitos humanos. O futuro da segurança pública não pode ser construído com base na suspeição generalizada nem na erosão da cidadania. 

Referências 

PINHEIRO, Flávio Maria Leite. Reconhecimento facial e as implicações jurídicas do seu uso na segurança pública. MPRJ, 2023. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/documents/20184/7377608/flavio_maria_leite_pinheiro.pdf. Acesso em julho de 2025. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em julho de 2025. 

COSTA, Carolina. Racismo algorítmico e vigilância digital: impactos do reconhecimento facial na população negra. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 27, 2022. 

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